Caso Resolvido 1

“Fui despedido e quase despejado do alojamento…”

 

                Em setembro de 2007 um brasileiro chamado Mário Kobayashi(pseudônimo), 46anos, motorista de caminhão residente na  cidade  de  NIIGATA, foi contratado  por uma    EMPREITEIRA-empresa de pequeno porte de contrato pessoal, para trabalhar na cidade de MAEBASHI na província de GUNMA. Sendo necessário deixar a família, porque deveria se mudar para o alojamento da mesma. A empreiteira,por sua vez ,o destinou  para trabalhar numa TRANSPORTADORA. Quando se passaram 3 meses ,o presidente da empreiteira informou ao Mário de que a transportadora se comunicou com o mesmo ordenando interromper a terceirização, ou seja para não mais enviar o Mário para trabalhar, a partir da seguinte semana,  pois não tinha mais serviço.

      O presidente da empreiteira falou que procuraria um novo destino de trabalho mas que  ele saísse do alojamento da empreiteira no prazo de 1 semana. Certamente isto significava a injusta demissão do Mário. A perda do emprego na transportadora não pode ser evitada,não sendo possível o presidente tomar nenhuma providência mas o fato de ele falar que arranjaria um novo, ao mesmo tempo fazendo o despejo do alojamento, causou este problema questionado aqui.

        O Mário veio a ONG TRABRAS com as seguintes consultas :“ Não pretendo voltar aquela empreiteira porque não acredito mais no presidente´´,“Quero receber o pagamento do aviso prévio´´, “Pretendo continuar morando no alojamento, eu próprio pagarei o aluguel de 60.000 ienes, pois pretendo arranjar um novo emprego por estas redondezas e já possuindo residência fica fácil consegui-lo.´´

          E´ extremamente difícil um estrangeiro alugar um imóvel sem que o empregador se torne um FIADOR SOLIDARIO. Estando desempregado,então, é praticamente impossível. Nós o aconselhamos a não sair do alojamento e não pagar o aluguel. Ele poderia continuar  residindo lá  enquanto a firma não pagasse o aviso prévio e os outros benefícios a que teria direito .A quantia do aluguel que a empreiteira seria obrigada a pagar, recompensaria, ou seja, seria relativa ao pagamento dos benefícios, apesar de serem pagos  em pequenas parcelas.

            A ONG TRABRAS,  requereu  através  de  documento   próprio , a   EMPREITEIRA de  que  “ Pagasse o auxílio durante a licença de trabalho,até a aquisição de um novo emprego.´´ “ Em caso de demissão que pagasse o aviso prévio´´,“Se for preciso sair do alojamento que pagasse os gastos necessários `a mudança´´.( O artigo 26 das leis trabalhistas- Lei de Padronização, assegura que se o funcionário tiver de ficar parado por conveniência do empregador,este deverá pagar igual ou  acima de 60% da média do salário recebido.).                                                                                                             

         Passou-se 1  mês  sem nenhuma resposta por parte da empreiteira. O Mário  encontrou um novo emprego como motorista de caminhão em outra empreiteira  continuando residindo no alojamento.

         Algum tempo se passou quando o presidente apareceu, umas 2 vezes, no alojamento para obrigar o Mário a sair do mesmo. Só que o Mário o ignorou. Passaram mais de  4 meses quando chegou uma CARTA COM CONTEÚDO REGISTRADO,enviada pelo presidente,chamada também de CORRESPONDÊNCIA DE CONTEÚDO CERTIFICADO (Tipo de correspondência em que os correios confirmam o remetente,destinatário , data de envio e conteúdo da mesma), com o seguinte teor: “ Pague os 3 meses acumulados do aluguel,num total de 180.000 ienes´´,“ Se não pagar dentro de 5 dias cancelarei o contrato de locação do imóvel ´´.O Mário  respondeu da mesma forma com CARTA COM CONTEUDO REGISTRADO,contendo o seguinte:“Pague o auxílio durante a licença de trabalho´´,“ Em caso de demissão pague o aviso prévio´´,“ E` necessário que me pague os custos decorrentes para a locação de outro imóvel como a comissão paga a imobiliária,luvas,retribuição e despesa para a mudança´´. 3 meses mais tarde a empreiteira o processou no Tribunal Regional de Maebashi como ameaçara.

        A  petição inicial,documento originado em todo e qualquer processo, enviada ao Tribunal pela empreiteira,requerendo o julgamento do Mário, tinha o seguinte conteúdo: “a desocupação do alojamento, o pagamento do aluguel acumulado no total de 180.000 ienes e  a quantia até a desocupação do mesmo ´´.Não citando, absolutamente nada, sobre  a situação do Mário de estar praticamente demitido.Este presidente depois de despedir os estrangeiros  despejava-os dos alojamentos se utilizando da justiça.Como ele sempre usava esta maneira, com sucesso até então , percebemos  que ele estava convícto que sua vitória se repetiria como nos casos anteriores.Na verdade muitos estrangeiros não sabem como se comportarem quando são processados,assustados saem apressadamente, ou  são despejados `a força por meio de EXECUÇÃO FORÇADA.

        Normalmente quando se decide disputar na justiça precisa se contratar um advogado. Mas no caso tratado aqui, que além do acusado residir no interior onde os ditos profissionais  são precários, teve como obstáculo também ainda  mais dois fatores:-primeiro por ser um problema simples e segundo por um estrangeiro estar envolvido. Lidar com estrangeiros,obviamente surgiria a dificuldade com a língua na hora das interrogações etc., necessitando, provavelmente mais tempo e trabalho do que usualmente. Para os advogados,ganhar este julgamento não teria tanto significado, portanto. Se o  Mário resolvesse contratar um advogado teria de arcar com as despesas para as traduções e, como precisaria ter uma solução breve, necessitaria pagar um preço  inicial relativamente alto.Mesmo tendo um resultado satisfatório não seria recompensável .E claro que a vitória não seria garantida. Não teria tanto sentido contratar um advogado restando apenas, como solução, o  abandono do alojamento.

        Mas ele não se conformou não podendo admitir a maneira incorreta da empreiteira de tentar despejá-lo. Sentindo-se injuriado, decidiu mostrar ao presidente de que mesmo sendo brasileiro em terras estranhas, poderia enfrentar um problema no tribunal. Mesmo se o despejassem ele não teria mais nada a perder. Pretendia no julgamento disputar  relatando ao que foi submetido ao juiz. Durante o desenrolar do processo, que provavelmente, necessitaria de alguns meses ,ele poderia residir no alojamento tendo tempo para pensar no próxima passo que daria para sua sobrevivência. Processo este que resolveu arcar sozinho,chamado de “causa própria´´.                                                            

         Requerendo auxílio a ONG TRABRAS que, como já estava ciente deste problema, prometeu fazer o máximo possível  para ajudá-lo. Com uma equipe especialista em leis judiciais relativas a problemas semelhantes,cooperou  iniciando imediatamente a preparação dos documentos inerentes ao caso. Por já  serem conhecedores deste  problema, naturalmente não foi  tarefa difícil.

        O Mário escreveu uma CONTESTAÇÃO – declaração  dizendo se aceitaria ou não a ACUSAÇÃO, ou DEFESA PREVIA, dirigida ao Tribunal. Em todo processo é obrigado a  apresentação  ao tribunal desta contestação. Se não for apresentada significa o abandono da causa,tomando-se como verdadeiras as acusações do acusador,significando automaticamente a perda da mesma. A contestação é um documento em forma de formulário onde se deve preencher com dados pessoais como nome,endereço,etc.,havendo itens onde devem ser  só assinalados.

            Nós da ONG TRABRAS, orientamos o Mário a escrever a contestação toda  em ROMAJI- caracteres românicos e no final  acrescentar: “ posso me comunicar um pouco em japonês mas não posso ler´´.

         Dias depois chegaram as mãos do Mário,enviada pelo Tribunal, uma notificação informando a data da primeira AUDIÊNCIA. No dia marcado ele e o presidente da empreiteira  compareceram ao Tribunal de Maebashi. A audiência foi iniciada, e como prevíamos, o juiz ordenou que o presidente traduzisse todos os documentos relacionados ao processo para o português, pois o acusado não  podia lêr japonês, e só então, os apresentasse  novamente´´. Isto é o REGULAMENTO da justiça daqui. Percebeu-se que o presidente ficou  repentinamente  pálido e inquieto,talvez por ser    complicado  traduzir uma PETIÇÃO INICIAL e todos os demais documentos anexados ´a mesma, como comprovatórios, registros imobiliários etc..A tradução da cópia do registro da imobiliária é a mais difícil ,requerendo um trabalho minucioso e árduo. Complicando a situação, o presidente cometeu erros de cálculos o que levou o juiz a ordenar: “CORRIGIR A SOLICITAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL´´ Aumentando assim enormemente o número de páginas do processo.

          Um PROCESSO CIVIL deste tipo,necessita geralmente de 1 ano. Durante este período o ACUSADO  e o ACUSADOR devem se  apresentar no Tribunal, para a realização da audiência,mais ou menos uma vez por mês. Devem se comunicar através  de documentos escritos antecipadamente ( é lógico que devem ser escritos em japonês,mas neste caso traduzidos para o português), contendo as ALEGAÇÕES de ambas as partes,perante o juiz. Isto se chama de ALEGAÇÃO VERBAL ou sustentação oral. Embora, na prática, o tribunal solicite a ambas as partes a apresentação por escrito de todas as suas alegações. No decorrer da audiência o juiz, lendo as articulações, se dirigindo ao acusador e ao acusado,indaga se confirmam as alegações apresentadas por escrito. Se se responder:“SIM´´,fica como se tivesse falado tudo que esta escrito nos documentos, onde estão expostos seus argumentos. Ou seja, não é necessário se falar quase nada nas audiências. O importante é a elaboração dos documentos.      

          No processo do Mário,a empreiteira deveria elaborar os documentos em japonês e em português. Imagina-se das dificuldades que ele deparou na execução dos mesmos. O Mário, apresentando os documentos escritos em japonês , só deveria responder a perguntas do juiz em japonês,tais como esta:“Declara como está escrito na articulação?´´, etc.. Quase sempre responde-se com um SIM. Nas audiências não é necessário trocar argumentações ou discussões não sendo necessário ser fluente em japonês. Quando o juiz indagar sobre a data da próxima audiência,perguntando se pode se apresentar ou não no dia marcado, deve-se responder,também, em japonês apenas com :“SIM“ ou “NÃO´´. Só basta conhecer um pouco de japonês. E claro que o juiz nos processos de estrangeiros,tem tendência a usar um vocabulário  compreensível.

       Quando o juiz falou para o presidente traduzir os documentos para o português o presidente viu-se obrigado a decidir se desistiria da acusação ou se traduziria. Com certeza,uma tarefa muito difícil o esperava. Se ele desistisse da acusação ,significaria a vitória do Mário,o que o concederia o direito de residir no alojamento por tempo indeterminado. O presidente depois de refletir por um momento respirou fundo e requereu:“ Por favor de-me 2 meses de prorrogação para a tradução .´´  O juiz aprovou e a audiência deste dia terminou. Imagina-se que ele deve ter se sacrificado na procura por um tradutor com conhecimentos de assuntos jurídicos. Provavelmente  até  a  conclusão  da  tradução foi necessário de muito tempo e gastos. Durante este período o Mário não se preocupou em ser despejado do alojamento podendo se concentrar no trabalho.         

            Passaram-se mais 2 meses quando o acusador preparou e enviou os documentos  traduzidos, petição inicial, ao Tribunal como prometera, que por sua vez, os enviou ao Mário o qual, obviamente, não concordou com o conteúdo respondendo com uma  CONTESTAÇÃO  escrita em japonês, auxiliado  pela ONG TRABRAS. Contradizendo e explicando a não aceitação do que o presidente acusara,ou seja o tratamento da empreiteira em relação ao Mário, que foi igual a tê-lo despedido injustamente sem pagamento de aviso prévio e todos os pormenores. Anexando também as provas de que o presidente tentou forçar o Mário a sair do alojamento e de como este procedimento lhe trouxe vários  problemas até o momento ainda não resolvidos. Alegando ao tribunal:“Desejo que não admita a solicitação injusta da empreiteira´´, CONTRA ARGUMENTO `a  alegação da empreiteira, remetendo-a ao Tribunal.

          O presidente vendo o contra argumento ficou numa situação embaraçada ,pois ele deu entrada a este processo omitindo a sua negligência, alegando apenas :“pague o aluguel e deixe o alojamento´´. Ele achou que facilmente teria sucesso num processo para despejo de um estrangeiro que não tem capacidade de resolver problemas juridicamente. Pode se chamar isto de mau trato a estrangeiros. Mas o Mário teve um contra ataque imponente ,o que o provocador não imaginou que fosse possível,sendo pegue de surpresa.

      No início, a Justiça talvez pensou ser um processo sem importância,sendo necessário apenas dar a sentença de pagamento do aluguel acumulado e da desocupação do alojamento, respondendo assim favoravelmente a alegação do acusador. Sem saber que o acusador estava omitindo uma parte da verdade. O juiz,provavelmente,achou correta a ação dele em  enviar a carta com conteúdo registrado e  processar o Mário.

                Existem casos incontáveis de  estrangeiros delinquentes que sem pagar o aluguel,continuam morando no imóvel. O Tribunal talvez pensou que o Mário não apresentaria a contestação perdendo automaticamente a causa. Admirado, então, ao saber que as circunstâncias eram divergentes das alegadas pelo presidente e de que o Mário, independente de ser estrangeiro,falando pouco japonês, deu um contra argumento mostrando uma postura firme   ao enfrentar o tribunal sozinho.

       Passaram-se 1 ano desde a demissão  do Mário quando aconteceu a 2ª. audiência em  agosto de 2008. Inicialmente o juiz indagou ao presidente se ele pretendia refutar,ou seja contra argumentar  as contestações  apresentadas por Mário Se tivesse deveria escreve-los novamente nos 2 idiomas,português e japonês. Por algum tempo não houve resposta do mesmo que pareceu  estar confuso. Então o juiz,que nestas alturas do acontecimento,já era conhecedor das vantagens e desvantagens de ambos, orientou calmamente a discutirem para chegarem a um  acordo comum,através de diálogo.

        Uma vez que os fatos vieram `a tona, o presidente não tinha como refugar as alegações e mesmo que quisesse fazê-lo,deve ter se recordado do enorme esforço  que teria de fazer novamente para as traduções dos documentos. Percebia-se nitidamente que ele tinha perdido a gana de lutar, aceitando, consequentemente a fazer um acordo.

        Ao mesmo tempo o Mário também foi indagado pelo juiz, aceitando fazer um acordo também. Então sendo orientado pelo juiz o presidente propôs o seguinte acordo: “Não precisa pagar o aluguel acumulado até agora mas desocupe o alojamento dentro de 3 meses. A empreiteira pagará as despesas com a mudança´´. Isto significava a declaração da perda da causa. O Mário respondeu dando a sua proposta:“Concordo mas com a condição de que depois desses 3 meses,quero continuar morando mais 1 ano no alojamento. Eu mesmo pagarei o aluguel e não será necessário pagar a mudança quando me retirar´´. O presidente, não tendo motivos para contradizer, aceitou e o acordo foi firmado.

       Este tribunal terminou com o pagamento pela EMPREITEIRA, de 1 ano e 3 meses de aluguel, num total de 900.000 ienes,mais as despesas gastas na justiça e nas traduções dos documentos. Pelo contrário o Mário ganhou os 900.000 ienes, equivalentes a indenização por perdas de danos pessoais que ele tinha direito,sem precisar sair do alojamento. Ele pretendia retornar ao seu país desde o começo, com certeza ficou muito satisfeito com o desenrolar do processo. Assim que o julgamento terminou o Mário telefonou muito contente `a ONG TRABRAS informando do seu sucesso. Nós o felicitamos e  compartilhando da comemoração da sua vitoria com muita alegria. O presidente, com a honra denegrida deve ter ficado humilhado mas isto deve ter sido o troco merecido por ele. Não se deve admitir que nenhum empregador use novamente uma maneira injusta como esta contra estrangeiros,despachando-os das respectivas moradias . 

        Sempre que sentia dificuldades, o Mário nos consultou, recebendo nossa orientação,conselhos detalhados de como fazer os documentos, de como proceder nas audiências. Falando  apenas um pouco de  japonês conseguiu vencer esta causa, realmente deve-se elogiá-lo pela sua  perseverança e bravura. A vitória inesperada do acusado e não do acusador e por se tratar de um estrangeiro lutando, são os fatores mais admiráveis deste processo. Caso raro,talvez com um grande significado para a globalização dos tribunais japoneses. O Mário, com uma perseverança sem igual, pode punir o  presidente que teve intenção maligna ao tentar despejá-lo. E´ merecedor de elogios.                                                             

          Mas infelizmente não é todo problema de despejo de alojamento que resultaram num final  satisfatório. Já tivemos consultas de despejos na província de Nagano  e na província de Shimane. Um exemplo é  o caso de uma  família   com criança pequena que foram privadas da luz,água e gás. Quando se deu de conta estava tudo desligado. Nos consultou por telefone,orientamos como solucionar o caso,inclusive foi preciso  recorrermos a polícia também,por telefone, por morarem em outra província. Ficaram desnorteados e  perplexados pela ação inesperada do empregador. E´ lógico que eles, os empregadores, também têm de lutar pelas  suas próprias sobrevivências, defendendo-se ferrenhamente, não desistindo facilmente em frente até mesmo a estrangeiros, se não seus trabalhos serão comprometidos. Pelo contrário,em frente de despejo discriminatório, se a vitíma não fizer nada,retirando-se obedientemente não é um procedimento correto, portanto,não aconselhável.

          Orientamos  que se lutem pelos direitos que todo cidadão tem, indiferente de ser estrangeiro ou não. O procedimento do despejo  infringe  a lei, sendo portanto um ponto fraco para o autor desta ação,que obviamente esta ciente disto. Sendo conhecedores disto pode-se batalhar sem receios de estar errado.

         E´ preciso se agir com muita cautela e precaução. Especialmente quando se sai  apressadamente por despejos , perdendo-se consequentemente a base de vida, não podendo se preparar para a procura de um novo emprego.                             

 

 

Tradutora: Marijalma

Julho 2009

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